O GAÚCHO QUE LAÇOU O AVIÃO

Texto de Claudio G. Candiota
Fotos de Ed Keffel
Publicado na Revista "O Cruzeiro" Número 19, em 23/02/1952.

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Nada nos pode parecer mais estranho do que a notícia de que um homem tenha laçado um avião. A vontade que a gente sente é mesmo de duvidar, duvidar integralmente. Mas, a verdade é que a extraordinária façanha aconteceu no pampa gaúcho, em Tronqueiras, numa rica fazenda de Arroio do Só, no município de Santa Maria. O fato pode parecer à primeira vista uma espécie de reação do gaúcho que confia no cavalo como meio de transporte diante das melhores atrapalhações do progresso. Esta é uma conjetura. A realidade é que o avião foi laçado, prêso e bem fortemente por laço de 13 braças e quatro tentos.

Érico Veríssimo criou um curioso personagem no seu último livro. É o velho Babalo. O homem tinha funda ogerissa pela aviação e todas as engenhocas que andam e fazem barulho. Sempre que um aviãozinho rugia nos céus de Santa Fé, o chacareiro erguia o braço cabeludo e botava feia descompostura à boca fora: - Vão trabalhar vagabundos!

O vaqueiro Euclides Guterres, bonitão e frajola, nascido no alto da Serra, mas que veio para a coxilha, bem cedo, diferente do velho Babalo, até gosta de aviação e coisas modernas. É o tipo característico do peão de estância dos dias que correm, sem literatura, e que poderá ir para o rodeio de "jeep" como fazem muitos fazendeiros do sul, guardando o cavalo para um fim de semana na cancha reta.

Pois foi Euclides Guterres, de 24 anos, solteiro, vivaz, e fazedor de proezas e espanholadas como mais ou menos são todos os peões das estâncias do Rio Grande, o homem que laçou o avião pelo focinho. Rebolou o laço e apanhou o "Paulistinha" num golpe certeiro. O aparelho virou bicho caborteiro, deu mais uns pulos e as rapidíssimas rotações da hélice o salvaram, cortando o laço de couro cru: o avião ganhou altura, fugiu, perdeu-se no horizonte que se confunde com a planura do descampado, carregando, na fuzelagem quatro braças do laço do vaqueiro.

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UM VERDADEIRO REI DO LAÇO

Jornal

O sensacional acontecimento, fato único na história da aviação, aconteceu no penúltimo domingo de janeiro. À tarde, o piloto Irineu Noal, do Aeroclube de Santa Maria, resolveu realizar um vôo de recreio no interior do município. Aprontou, para isso, um paulistinha, o "Manuel Ribas" de prefixo PP-HFE e, tudo o.k., rumou para Leste, em direção da fazenda do Sr. Cacildo Pena Xavier, em Tronqueiras. Anteriormente, já havia sobrevoado o local. Perito e confiante, sentia-se à vontade, lindamente à vontade, no seu valente teco-teco.

Logo avistou a bela propriedade, a Casa Grande e todo o seu conjunto, os largos currais, a figueira velha, o mangueirão. E iniciou uma série de vôos rasantes nos arredores. O dascampado era um vivo convite à brincadeira. É possível que, em dias passados, tivesse até perseguido lebre no pequeno avião, duma mobilidade admirável. Porque, então, hoje, que a tarde está assim tão clara e tudo tão limpo na frente, não voar rasteirinho à grama fôfa?

Euclides Guterres, cá debaixo, olhava com olho alegre a brincadeira do jovem piloto. Foi quando lhe nasceu a idéia incrível. Seria possível? Sim, claro, era possível. Tudo dependia de ter os pulsos no lugar. Então esperou. Fazia mais de meia hora que estava ali na coxilha tratando da novilha gorda, atacada de bicheira. E aquilo era monótono. Apanhou o laço, e sentiu que a hora estava para chegar. O "Paulistinha" roncou em cima de sua cabeça. Foi a conta. "Tiro dado, bugio deitado", como se diz no sul. O avião fora lançado. Acertara o alvo!

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Euclides Guterres, para não ser carregado pelo avião, largou o laço. O seu temor fôra em vão: a hélice, de golpe, já havia partido em duas as 13 braças de couro cru e trançado. No interior do avião, o drama era bem outro. O jovem piloto tinha na frente dos olhos um pedaço de laço e concluiu que acontecera com ele uma coisa incrível. Virou o nariz do aparelho e voou em direção da Base Aérea de Camobi, fazendo uma aterrisagem feliz. Vistoriando o aparelho no solo, verificou que a hélice estava partida! Tudo poderia, afinal de contas, ter lhe custado a sua vida.

Texto de Claudio G. Candiota e fotos de Ed Keffel.
Publicado na Revista O Cruzeiro, Nº 19, em 23/02/1952.
Claudio Gularte Candiota (☆14/07/1922 – † 24/10/2012), em 1952, era diretor do jornal A Razão de Santa Maria/RS e correspondente da revista O Cruzeiro, veículos que pertenciam aos Diários e Emissoras Associados.
A matéria circulou o mundo, tendo sido publicada em vários idiomas..
Candiota foi professor, fundador e primeiro diretor da Faculdade dos Meios de Comunicação Social da PUCRS. Jornalista, empresário, foi também Diretor do tradicional Banco da Bahia, um dos mais antigos do Brasil. Foi fundador do Sindicado e da Associação dos Bancos do Rio Grande do Sul e do Sindicato dos Bancos do Rio Grande do Sul, entidades das quais foi presidente. Incentivado várias vezes a escrever um livro contando suas histórias, faleceu antes de concluir o projeto. Candiota é irmão do pioneiro da Aviação Agrícola no Brasil, Clóvis Gularte Candiota, e pai do empresário e advogado, Claudio Candiota Filho, piloto privado, desde 1970. Candiota Filho organiza grupos para a EAA Air Venture Oshkosh, o maior evento de aviação do mundo, desde o início da década de 1980. A Família Candiota tem fortes vínculos com a aviação.

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